História da Cartografia
Abilio de Castro Gurgel

Quando acabou esse projeto, o mercado cartográfico europeu tinha sofrido mudanças. Abraham Ortelius (1527-1598) em maio de 1570, havia publicado em Antuérpia seu “livro de mapas” chamado Theatrum Orbis Terrarum (Teatro do Globo Terrestre). A partir desse momento seu nome é elevado à altura dos maiores editores de mapas de seu tempo e ganhou fama com uma afirmação que, sabe-se, não possui sustentação no contexto da História da Ciência, ou seja: “O pioneiro na publicação de um Atlas”.

É importante notar que a palavra Atlas, como hoje é conhecida, só surgiu em 1595, quando Mercator publicou “Atlas Sive Cosmographicae meditationes de fabrica Mundi et fabricati Figura” como uma resposta à obra de Ortelius. Com essa publicação, o conjunto de mapas em um livro passou a ser designado Atlas. (Será melhor explicado na última parte deste capítulo).

Ortelius nasceu em Antuérpia e era 15 anos mais jovem que Mercator. Começou como vendedor de mapas e depois iluminador de livros e mapas. Ambos eram amigos e provavelmente se conheceram na feira de Frankfurt de 1554 e viajaram juntos a outra “feiras”, inclusive a de Poitiers, na França.
A edição original de 1570 do Theatrum consistia em 70 mapas com 53 folhas. Desde o início, o autor não reivindicou a originalidade do projeto, pois ao contrário de Mercator, que era o responsável por planejar, estudar, ler, informar-se sobre cada objeto de sua criação, além de gravar em placas de cobre, Ortelius selecionou uma série de mapas de cartógrafos da época para formar e estruturar sua obra.

Uma coleção de mapas existia desde a Geographia e, cartas ptolomaicas já haviam sido agrupadas e editadas por casas impressoras na Europa. Como exemplo, em 1524-26, Pietro Coppo (1469-1555), em Istria, na Itália, produziu 15 pequenos e uniformes mapas gravados em madeira. Aparentemente nunca foram publicadas em livro, mas mostravam a intenção de confeccionar-se um conjunto de mapas em série constante e igual.
Waldseemüller introduziu, em 1513, uma organização sistemática em folhas de mapas. Sebastian Münster (1489-1552) com a obra Cosmography, edição de 1544 na Basileia, com mais de 50 mapas e 70 planos de cidades, lembra também esse conceito, apesar de ser mais uma seleção continuada de mapas. O Theatrum, de certa maneira, representava algo novo para os leitores e a diferença estava na uniformização metódica e, principalmente, na padronização gráfica do novo livro.

Entretanto, alguns estudiosos sobre esse tema afirmam que Ortelius simplesmente seguiu o modelo italiano de dar mais ênfase na qualidade explanatória do texto do que na quantidade, equalizando-o com os elementos gráficos do mapa.
Um ponto que de fato parece original em sua época seria o formato de fólio (57,6 cm X 42,6 cm), mais adequado para o estudo de mapa, por ser uma obra de consulta constante, fornecendo um elegante balanço entre conveniência e claridade.

Outra diferenciação era que os autores daquele período raramente forneciam suas fontes. Ortelius, nessa primeira edição, incluiu o Catalogus Auctorum com uma lista de 87 geógrafos e cartógrafos que constavam ou foram consultados para a produção dessa obra. Entre eles, Mercator, que forneceu ao Theatrum pelo menos oito obras suas, como a representação do sudeste da Ásia baseada em seu mapa-múndi e da Europa.

Outros autores citados como participantes dessa obra foram: Gemma Frisius; Franciscus Monachus, o médico e cartógrafo amador do País de Gales; Humfrey Lhuyd, que forneceu mapas das ilhas inglesas; o gravador em madeira e cobre Chistopher Zell de Nuremberg; Jacob Van Deventer, cartógrafo flamengo que trabalhava somente com mapas dos Países-Baixos e Olaus Magnus, com o mapa da Escandinávia.

No entanto, Ortelius não estava sozinho na perspectiva deste novo conceito para produzir uma coleção de mapas. Gerard de Jode (1508-1591) impressor em Antuérpia, publicou em 1578 um conjunto de mapas chamado Speculum Orbis Terrarum com os mesmos conceitos, porém, sua licença para a fabricação da obra “atrasou“ por quase 10 anos. Dizem que Ortelius agiu por trás disso. Mas, com certeza, as evidências indicam que essas afirmações faziam parte do jogo de disputa por prestígio.

Theatrum significou um novo parâmetro para os editores de mapas. Poder-se-ia afirmar que a geografia passou a ser apreciada e disponível não somente pelos estudiosos ou nobres, mas por estudantes, comerciantes e toda classe de pessoas ligadas à navegação. Um leitor escreveu a Ortelius: “O mundo está mais perto de nós”.

Aproveitando esse novo conceito e formato, em Colônia, na Alemanha, o humanista Georg Braun (1541-1622) junto com seu gravador Franz Hogenberg (1535-1590) editaram em 1572 o Civitates Orbis Terrarum, uma coletânea de mapas de cidades, conhecido e reeditado até nossos dias.

Finalmente, salienta-se que o Theatrum obteve grande sucesso porque Ortelius tinha conexão comercial com Christophe Plantin (1520-1589) que possuía uma das mais conceituadas casas de impressão do norte da Europa e foi ali que sua obra foi impressa e distribuída a partir da segunda edição.

Entre 1571 e 1572 houve quatro novas edições. A primeira foi feita em Latim, a língua usada pela elite educada na Europa. Entretanto, logo apareceram edições vernaculares, a saber, holandesa (1571), alemã (1572), francesa (1572), espanhola (1588), inglesa (1606) e finalmente a italiana (1608). Ortelius regularmente revisava e expandia seu trabalho, chegando a ter mais de 50 edições com mais de 167 mapas na edição de 1641.