História da Cartografia
Abilio de Castro Gurgel

Todo o conhecimento geográfico e astronômico, anteriormente estudado e mencionado nesta pesquisa, foi verificado e aumentado por Claudio Ptolomeu. O nome Claudio, de origem romana, indicava que era um cidadão romano . Ele teria um prenome desconhecido e um sobrenome: Ptolomeu que é um nome grego bastante comum na elite das famílias da Macedônia, no tempo de Alexandre, o Grande.

Há poucas evidências sobre a ascendência de Ptolomeu, mas a maioria dos estudiosos e historiadores considera improvável que seu sobrenome esteja relacionado com a dinastia real dos Ptolomeus do Egito. Embora fosse um cidadão romano, escreveu em grego antigo e foi considerado etnicamente grego.

A primeira observação registrada em seus tratados foi feita em 127 d.C. e a última em 151 d.C., o que leva a concluir que sua vida decorreu entre 100-178 d.C., durante os reinados de Trajano, Adriano, Antonius Pius e Marcus Aurelius. Todos os dados astronômicos registrados foram realizados ao redor de Alexandria (Egito), onde se presume que tenha nascido e vivido.

Ptolomeu, conforme se sabe, é autor do tratado Óptica, um conjunto de cinco volumes que estuda a reflexão, refração, cor e espelhos de diferentes formas. Escreveu também Harmônica, um tratado sobre a teoria matemática da música, isto é, de como as notas musicais poderiam ser traduzidas em equações matemáticas e vice-versa.

Entretanto, duas obras suas, Tetrabiblos e Almagesto, que serviram de base para a retomada do conhecimento após a época medieval, é que, principalmente, vão auxiliá-lo com dados astronômicos e matemáticos na obra relevante desta pesquisa: Geographia.

Almagesto é um tratado sobre astronomia escrito na época do reinado do imperador Antoninus (138-161 d.C.). O nome original em grego era Mathematike Syntaxis, que significa Coleção Matemática, mas outros autores a denominam como: A Grande Compilação. Reflete o desejo de mostrar a astronomia dentro de um contexto de uma concepção matemática, ou seja, inserida em um arranjo numérico.

Almagesto é uma palavra árabe que surgiu com a junção do artigo árabe “al" mais a corruptela da palavra grega Megiste (o maior). O principal canal na retomada do tratado para os europeus foi a tradução do árabe para o latim feita por Gerardo de Cremona, em Toledo, Espanha, em 1175 e editado, primeiramente, como um sumário em Veneza (1515) e, posteriormente, a versão grega de Gerardo, na Basileia (1538).

O Almagesto é dividido em 13 livros:

- Livro 1: dá argumentos para um universo geocêntrico, esférico e introduz a trigonometria necessária, junto com uma tabela de trigonometria que permitiu a Ptolomeu, em livros posteriores, explicar e prever os movimentos do Sol, da Lua, dos Planetas e das Estrelas.

- Livro 2: usa a trigonometria esférica para explicar a cartografia e a característica dos fenômenos astronômicos (como o comprimento do dia mais longo) e de várias localidades.

- Livro 3: lida com o movimento do Sol e como prever a sua posição no zodíaco em determinado momento.

- Livros 4 e 5: tratam da problemática movimentação da Lua. O livro 5 também descreve a construção de instrumentos para ajudar nessas investigações. A teoria desenvolvida nesse ponto é aplicada aos eclipses solares e lunares no livro 6.

- Livros 7 e 8: dizem respeito, principalmente, às Estrelas fixas, dando as coordenadas eclípticas e as magnitudes para 1022 Estrelas. Esse catálogo, baseou- se no Catálogo de Estrelas de Hiparco, pois na maioria dos casos Ptolomeu converteu a localização de cada Estrela à sua coordenada eclíptica e, em seguida, trocou esses valores por uma constante para calcular a precessão ao longo dos séculos seguintes.

Os cinco livros restantes, possivelmente, os mais originais, estabelecem modelos geométricos, detalhes para o movimento dos cinco planetas visíveis a olho nu, juntamente com tabelas para predizer suas posições em um determinado momento.

Gingerich, um dos mais conhecidos e renomados autores sobre a história da Astronomia, deixa clara sua posição sobre a obra Almagesto:

(...) mais do que em qualquer outro livro, demonstra que fenômenos naturais, complexos em suas aparências, poderiam ser descritos por simples padrão de regularidade, em uma forma matemática, que forneceria predições em uma quantidade específica.


Nessa mesma obra, Gingerich abriu espaço para um debate onde outras autoridades do assunto criticaram de forma veemente a obra de Ptolomeu, colocando-a como uma fraude manipuladora de dados e cheia de “erros”, principalmente no que se refere à teoria geocêntrica que foi adotada como padrão. Porém, esses autores esqueceram, quase que completamente em suas análises, o contexto histórico e social além da época em que ele viveu.

Finalmente, Ptolomeu descreveu como desenhar um mapa celeste, porém ao contrário de outros geógrafos e astrônomos gregos que indicavam primeiramente uma constelação e dentro dela suas estrelas, ele partiu diretamente para identificar cada estrela em um catálogo que dava as posições por coordenadas verticais e horizontais.

Entre Almagesto e Geographia, Ptolomeu escreveu a obra Tetrabiblos (grego) ou Quadripartitum (latim), também denominada em alguns manuscritos de: Tratado Matemático em Quatro Livros, sendo este um tratado sistemático em astrologia, que para ele significava “prognóstico através da astronomia”.

Robbins, editor e tradutor do texto para o inglês, explica que:

A dúvida que surgiu mais tarde sobre a autenticidade desta obra baseia-se na dificuldade de certos estudiosos em aliar a astronomia à astrologia. Isso não teria qualquer fundamento no século II, época em que o triunfo da astrologia era total. Quase todos acreditavam nela, do imperador ao mais humilde escravo. Esta situação prolongou-se pela Renascença. Regiomontanus, Copernicus, TychoBrahe, Galileo, Kepler e Leibnitz praticavam a astrologia ou apoiavam a sua prática. Portanto, o fato de um cientista como Ptolomeu ter acreditado na astrologia ou escrito sobre ela não teria constituído uma incongruência, além de que, nas suas opiniões filosóficas, na sua linguagem e na sua astronomia, a obra está em total concordância com as obras Ptolomaicas cuja autenticidade nunca foi questionada.


A grande popularidade que o livro Tetrabiblos possui pode ser atribuída a sua natureza como exposição de arte da astrologia e como obra sistemática de sabedoria astrológica, e não como um compêndio. Ele descreve em termos gerais, evitando ilustrações e detalhes da prática

Ptolomeu estava preocupado em defender a astrologia definindo seus limites, compilando dados astronômicos que acreditava serem confiáveis. Muito do conteúdo do Tetrabiblos foi coletado de fontes de autores helênicos anteriores a ele. Entretanto, a grande realização de Ptolomeu foi ordenar esse material de forma sistemática, mostrando como o assunto poderia, em sua visão, ser racionalizado.

A obra focada, relacionada mais especificamente à esta pesquisa, como já afirmado anteriormente, é Geographia que, em oito volumes, sintetiza todo o conhecimento geográfico greco-romano até a sua época. Mais que isso, complementa, adiciona, elabora todos os conceitos já mencionados que serviriam de base aos autores renascentistas, e também, a Gerardus Mercator.

Três elementos são o seu diferencial no estudo da geografia até aquele momento:

1) A topografia da Europa, África e Ásia, mais detalhada e extensiva que de seus predecessores na área.

2) Uma clara e concisa discussão sobre os papéis da astronomia e outras formas de conseguir-se amealhar dados e informações de forma precisa e sistemática para uso em geografia investigativa.

3) Um plano estruturado em bases aritméticas e geométricas para a construção de mapas.

Ptolomeu em seu livro Geographia, ou Manual da Geografia (Geographike Hyphegesis, em grego) deixou claro que muito das informações contidas em seu livro provinham de Marinos de Tiro e em sua obra Correções do Mapa do Mundo.

É importante observar que tudo que se sabe de Marino foi escrito por Ptolomeu, não havendo outra fonte no mundo ocidental sobre seu livro.

Marino é considerado o “último autor em nosso tempo a tratar desse assunto” e a maneira como Ptolomeu a ele se refere, dá a entender que já estaria morto na época em que a Geografia foi escrita.

Outra situação relevante a ser considerada é que, tanto Ptolomeu como Marino, não se colocaram como criadores da obra, mas revisores ou corretores da prática de outros geógrafos anteriores a eles. Consideravam que o trabalho não era pessoal, mas uma continuidade ou tradição. Contudo, é interessante notar que Ptolomeu dedicou grande parte do livro fazendo críticas a Marino sobre a falta de acuidade dos dados e ao despreparo dele em lidar com alguns conceitos geográficos importantes.

Dilke, renomado conhecedor dos mapas da época greco-romana, esclarece que:

É verdade que Marino e suas fontes fizeram algumas observações astronômicas que foram citadas posteriormente por Ptolomeu em Geographia (1.7.4), mas ele as descartou como inconclusivas. O método de Marino era o de aplicar os dados dos marinheiros e viajantes, convertendo-os em estádios, os números de dias necessários da viagem, por terra ou mar, de um local ao outro.


Na época de Ptolomeu, no primeiro século de nossa era, o Império Romano estava em seu apogeu. O sistema de comunicação, por terra e mar, tornou-se mais extenso e eficiente, de modo que as informações também eram mais confiáveis.

Para os romanos, o sentido cartográfico estava mais conectado à prática e por isso as cartas eram representadas por itinerários (em latim cursus publicus). Não havia qualquer preocupação com a localização relativa à escala, à posição geográfica no espaço, às distâncias entre as localidades. Além disso, tal sentido não se assemelhava aos conceitos geográficos dos gregos ligados ao conhecimento e sentido da natureza e do homem.

Como exemplo há o Itinerarium, uma lista de localidades em determinada via com as distâncias de uma localidade a outra. O itinerarium provinciarum Antonini Augusti, uma obra, provavelmente, do terceiro século da nossa era, mostra os seguintes itinerários:


De Treveri para Agrippina 78 léguas Vila de Beda 12 léguas Vila de Ausava   12 léguas Vila de Egorigium 12 léguas Vila de Margomagus 08 léguas Bélgica 08 léguas Tolbiacum vila de Sopeni   10 léguas Agrippina 16 léguas


Os itinerários em referência não existiam somente dentro do império, mas também fora, como é o caso do Etapas Párticas, uma rota que descrevia o percurso das caravanas no seu trânsito da Síria à Índia.

Além do Itinerarium havia, para viagens marítimas, o Periplus, um documento ou livro de bordo que registrava, em sequência, os portos e pontos geográficos costeiros com as distâncias entre eles.

Com tais tipos de informações foi possível aumentar e detalhar o espaço geográfico nas cartas marítimas, o que possibilitou a confecção de mapas mais precisos. Ptolomeu realizou tal proeza, apesar de deixar bem claro que o ideal seria que se obtivesse a latitude e a longitude observando o Sol, ao meio-dia, no solstício ou equinócio, na localidade desejada e comparando com uma localidade básica ou central.

No tempo de Eratóstenes já se conhecia esse método de medir a latitude. Hiparco também sabia como converter um comprimento máximo da luz solar de um dia em latitude, em uma certa localidade. Ptolomeu escreveu que Hiparco determinou a latitude de algumas localidades situadas no mesmo paralelo.

Berggren e Jones, tradutores para o inglês do Geografia, estabelecem que:

Ptolomeu conhecia o conceito de que a longitude se conseguia através do intervalo de tempo dentro do eixo de uma mesma latitude, e o periplus e o itinerarium ajudavam no objetivo de ter-se esse tempo em uma determinada distância, porém, Ptolomeu sabia que o ideal para estabelecer-se a verdadeira longitude, entre uma localidade e outra, seria observando uma eclipse lunar nos mesmos locais e firmando a diferença de tempo entre elas.